Affordances. Vêm em qualquer forma, o que interessa é que estejam lá. Relevo, cor, geometria, forma, textura, volume, qualquer propriedade física intrínseca de um objecto que pode remeter para o modo como deve ser utilizado. Substituem manuais de instruções ou legendas e descartam a necessidade de qualquer aprendizagem. Servem para facilitar a nossa interacção com os objectos do dia-a-dia e fazem a distinção entre uma peça bem desenhada e pensada, e uma peça com um design pobre. No processo de criação de um utensílio, uma interface, uma ferramenta, uma casa, seja ele qual for o tipo de objecto ou meio cujo objectivo é ser utilizado por pessoas, há inúmeros factores que têm de ser tomados em conta: Robustez, fiabilidade, eficiência, custo de produção, estética (por estética entenda-se beleza ou elegância), viabilidade de produção em massa, entre outros.
No meio de tantos factores, é normal que a questão da usabilidade seja relegada para segundo plano, não só por quem produz, mas também por quem compra. Há uma multiplicidade de razões para que isto aconteça. Olhemos para o lado do consumidor: o fenómeno de aparente esquecimento de que este está na verdade a comprar um objecto que acima de tudo serve para desempenhar uma função prende-se com o facto de muitas vezes o comprador não experimentar o objecto antes de o adquirir. Outras vezes este objecto não é sequer comprado pela pessoa que o vai utilizar e noutras até, o consumidor tem noção de que há uma deficiência no desenho da peça, mas é seduzido por outros factores como o preço ou a harmonia estética do mesmo. Tudo isto motiva a que se continuem a desenhar produtos com más affordances, difíceis de utilizar, muitas vezes até frustrantes, que nos fazem sentir diminuídos e incapazes de lidar com coisas supostamente “simples”. Daniel Norman alerta constantemente para este facto no seu livro “The Design of Everyday Things”, e fornece-nos todas as razões para nos desprendermos de quaisquer sentimentos de culpa ou de inferioridade. Na esmagadora maioria dos casos, a culpa está no objecto e não na pessoa que o utiliza.
Se tirarmos um pouco de tempo para pensar, ao longo da nossa vida lidamos com milhares, senão mesmo milhões de objectos e interfaces que funcionam de maneira diferente, que possuem diferentes modos de operacionar e que não devem, de forma nenhuma, requerer uma aprendizagem constante por parte de quem os utiliza. Parafraseando Norman, o conhecimento deve residir no mundo, e não na cabeça. A solução tem de estar lá, no próprio objecto, gritante e chamativa. Não é por acaso que usamos diários, agendas telefónicas, mapas, etc…O nosso cérebro não é capaz de armazenar e disponibilizar toda a informação com que somos obrigados a lidar no dia-a-dia. Minimizar o número de processos arbitrários que precisamos de memorizar e substituí-los por modelos que se encaixem em conceitos e modelos apreendidos por associação com a natureza ou por interiorização de modelos teóricos explicativos, deveria ser um objectivo primordial do designer.
Trocando por miúdos, e utilizando um exemplo dado por Norman, se virmos as dobradiças de uma porta, saberemos que teremos de exercer força no outro extremo para que esta se abra. No entanto, se as dobradiças da porta não estiverem visíveis (por questões de estética, por exemplo), teremos de decorar o sítio exacto onde estas se encontram, para que no futuro não tentemos abrir essa mesma porta pelo lado das dobradiças. Outro exemplo muito comum são os fogões de cozinha. Criando uma relação de semelhança entre a disposição das bocas do fogão e dos manípulos que as accionam nunca correremos o risco de estar a rodar o manípulo correspondente a uma boca e a chegar o fósforo perto de outra, sem perceber o porquê de esta não acender. Em baixo está um exemplo de uma má affordance de um fogão, pois não existe nada que indicie qual das bocas é accionada por qual dos manípulos. A única maneira é por tentativa erro e posterior memorização. (É de salientar que por vezes uma má affordance pode ser colmatada com a presença de feedback, o que não é o caso neste fogão, pois, por exemplo, nenhuma luz se acende junto da boca que acabamos de accionar ao rodar o manípulo).
Conhecer a forma como pensa o ser humano pode ser um excelente ponto de partida para criar “designs” eficientes e fáceis de utilizar. Aliás, não é por acaso que Daniel Norman, que aborda este tema de forma tão detalhada, não é de forma nenhuma um designer ou um engenheiro, mas tem sim, formação na área da psicologia e das ciências cognitivas. O ser humano procura sempre associações entre as interfaces que opera e o mundo que o rodeia. Ele cria modelos conceptuais que procura nos objectos que utiliza. Olhemos, por exemplo, para o comando de um carrinho telecomandado. O manípulo do acelerador encontra-se perpendicular à superfície do comando, podendo ser movimentado para a frente e para trás. Simples, intuitivo, imediato. Ninguém, alguma vez, requereu qualquer tipo de aprendizagem para operar um comando tão simples como este. Porquê? Porque o carrinho também se desloca para a frente e para trás, porque o movimento do manípulo é igual ao movimento do carrinho. Se o manípulo fosse de deslocar para cima e para baixo, num plano perpendicular ao movimento do carrinho, também seria natural, mas não tanto como da maneira anterior. Agora imaginemos que para acelerar rodaríamos o manípulo para a direita, e para travar, para a esquerda. É certo que iríamos errar diversas vezes antes de nos habituarmos ao mecanismo, antes de memorizarmos o seu funcionamento. Para além disto, esta discrepância entre o modelo conceptual do movimento do carrinho e a forma como temos de accionar o comando, torna imensamente propício o erro (os chamados Slips no livro de D. Norman), mesmo depois de a associação estar memorizada. Ao não ser natural, a tarefa requer mais ou menos atenção da parte do utilizador. Ora nós sabemos que ao realizar uma tarefa repetidas vezes temos tendência a dispensar cada vez menos atenção para a sua execução, tentamos automatiza-la inconscientemente. Mais cedo ou mais tarde, vai ocorrer a distracção ou o erro. No caso do carrinho, não é nada de grave, acelerar em vez de travar. Mas se estivéssemos a falar de um avião de passageiros, as consequências poderiam ser mais graves. Há uma série de razões que podem motivar a distracção, mas a verdade é que esta só acontece se o conhecimento necessário para a operação de uma interface estiver na nossa cabeça, e não no objecto em si. Não falo apenas do conhecimento de como utilizar, mas também do conhecimento de como não utilizar. Ele está presente nos objectos sobre a forma daquilo a que Norman chamou de constrangimentos. Um exemplo trivial: Se houver apenas uma porta da cor da minha chave, eu sei que é essa. Se a porta tiver apenas uma fechadura com ranhura para introduzir chave, então eu também sei que é essa. Se a chave não entrar na fechadura virada para cima, então eu sei que tem de entrar virada para baixo. Agora imaginemos que em todo este processo as respostas não estavam nos objectos, sob a forma das tais affordances e constrangimentos, quantas vezes eu teria de errar para abrir a porta? E de cada vez que eu tivesse de abrir a porta no futuro?
Deixo em baixo alguns exemplos de más affordances com que me fui deparando, na promessa de acrescentar novas imagens à medida que me for deparando com elas.
Deixo em baixo alguns exemplos de más affordances com que me fui deparando, na promessa de acrescentar novas imagens à medida que me for deparando com elas.
O microondas telemóvel |
Confesso que me senti estúpido quando não consegui abrir uma carica com esta ferramenta. Depois de ler o livro de Daniel Norman fiquei um bocado aliviado. |